No rasto matricial do conde D. Pedro de Caminha (IV) – Constança Gonçalves, «vil» filha de alfaiate; e João Gonçalves, o outro irmão do conde de Caminha

 

João Gonçalves de Miranda Soutomaior
João Gonçalves de Miranda Soutomaior

Constança Gonçalves – “vil” filha de alfaiate, pilar da tese Pedro Madruga – Cristóbal Colón

A súmula dos factos anteriores, por demasiado incertos, permite a formulação da seguinte hipótese: sendo eventualmente a mãe de Pedro Madruga de condição social inferior, a linhagem socorreu-se da proximidade mantida com os Zúñiga, para forjar um parentesco pouco esclarecido, quiçá aceite tacitamente por ambas as partes por se não poder comprovar, dada a extensão no tempo e a morte dos protagonistas. Esse logro “garantiu” a nobreza de quatro costados aos seus descendentes, assim como identificou a política de alianças dos Soutomaior de Tui e Pontevedra, com os seus congéneres de Puebla de Alcocer e Belalcázar.

Com base neste pressuposto, e não se cumprindo o mesmo em D. Constanza de Zúñiga, ou D. Maria Vidal, merece ponderosa análise a proposta de Alfonso Philippot Abeledo, enunciada em “La Identidad de Cristóbal Colón”. Nessa tese – originalmente publicada em 1991, e derivada dos fundamentos de Celso García de la Riega sobre a origem galega do almirante das Índias -, o autor documenta na Pontevedra de 1435, uma Constança Gonçalves, que mediante cruzamento com outras actas notariais contemporâneas, seria filha do casal Afonso de Soutelo e Branca Colón. Teria como irmãos um João Gonçalves, pintor, e uma Branca Soutelo, casada com um marinheiro, todos residentes naquela vila costeira.[1] Atendendo às informações constantes dos referidos documentos, Constança Gonçalves seria filha de homem-livre que exercia o ofício de alfaiate, considerado “vil” (porque manual), segundo os conceitos sociais da época e na óptica privilegiada do clero e da nobreza. O próprio almirante Colón comprova o preconceito, quando em 1503, num desabafo escrito aos Reis Católicos na ilha de Jamaica, se lamenta que “(…) agora fasta los sastres suplican por descubrir[2].

A ponte com D. Pedro Álvares de Soutomaior estabelece-a Alfonso Philippot, não só pelo óbvio do nome próprio – igual ao mencionado nas fontes primárias, e o mesmo com que foi baptizada a filha mais nova do conde de Caminha, ao arrepio de qualquer tradição na linhagem -, como também através do apelido “Soutelo”, dado que Fernan Yañez de Soutomaior entregou em testamento a guarda e criação do filho bastardo, ao dominicano frei Esteban de Soutelo. Apoia-se o autor na opinião de José Maria Font, extraída do Diccionario de Historia de España, na qual se regista ser “bastante general en los fueros municipales la atribución de ésta guarda a los parientes más próximos del menor”.[3]

Assim sendo e respeitando cronologias, é possível deduzir um estreito parentesco entre o alfaiate Afonso e o mendicante Esteban – eventualmente irmãos -, ambos apelidados “de Soutelo”. E com este referente geográfico ocorrem dois únicos lugares na Galiza meridional, em territórios que no século XV foram dominados pela casa de Soutomaior: São Vicente de Soutelo (entre Tui e Salvaterra) e Soutelo de Montes (a Nordeste de Pontevedra, na chamada “Terra de Montes”). Ditando a lógica que deste último sobressaísse maioritariamente o topónimo “de Montes” (frei Pedro de Montes, prior em São Domingos de Pontevedra, a título de exemplo), é de apontar com maior probabilidade o primeiro, como origem destes “Soutelo”, até porque Santo Estevão é orago do vizinho lugar de Budiño, e poderá ter servido de inspiração na escolha do nome de baptismo do futuro dominicano. Pela proximidade, o convento de Tui foi o destino de Esteban. Já Afonso poderá ter trilhado o caminho da concorrida Pontevedra, quiçá ao abrigo dos Soutomaior, e ali casado dentro do seu estrato social.

De facto na primeira metade do século XV, a família de Branca Colón aparece associada à confraria de São João que agrupava carpinteiros, tanoeiros e pedreiros, ofícios de cariz acentuadamente manual. Atendendo aos casamentos de certos elementos femininos do clã – com mareantes e marinheiros da vila -, pode intuir-se a prática das artes de mar por algum dos varões. Contudo na metade final da centúria já é possível documentar mareantes e pequenos armadores de apelido “Colón”, o que não evita que a família pertencesse ao vasto grupo que via negado o acesso à oligarquia do concelho.[4]

Definindo-se então “Soutelo” como indicador de progénie, estima-se “Gonçalves” como patronímico, pois foi usado por João e Constança, dois dos filhos referenciados do casal Soutelo-Colón. Atreveu-se Philippot neste particular, ao relacioná-los com os “Gonçalves Soutelo”, uma linhagem de pequena nobreza terra-tenente que proliferava na região a sul de Ourense. Esticou um pouco mais a corda, na ânsia de invocar o parentesco destes com a condessa de Santa Marta[5], procurando cumprir as premissas do já referido texto de Vasco da Ponte[6]. No entanto o bom senso é, neste caso, demolidor, não se podendo aceitar, à luz da época, que o modesto alfaiate Soutelo fosse oriundo da mesma cepa de Nuno, “senhor da terra de Molgas e regedor de Allariz”, ou de D. Sancha, “senhora de Sandim, Xocin e Vilariño”.

João Gonçalves – o outro irmão do conde de Caminha

Estará porventura eivada de atrevimento semelhante – ou não -, a introdução neste ponto de um outro João Gonçalves, há séculos referenciado em Portugal, como familiar próximo de D. Pedro Álvares, conde de Caminha. O mais antigo documento em que é citado, acrescido dos apelidos “de Miranda” e “Soutomaior”, remonta ao ano de 1561. Trata-se de uma carta de brasão de armas concedida a Diogo de Sá, filho de Fernão de Sá Soutomaior, morador em Coimbra, e neto daquele primeiro e de sua legítima esposa D. Filipa de Sá “das geracõns e linhagens dos soutomaiores e saas que nestes Reinos sam fidalguos de cota darmas”.[7]

Carta de Brasão de Diogo de Sá (1561)
Carta de Brasão de Diogo de Sá (1561)

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