O «mar português» de Pedro Colón (II) – Parentes

Vila Nova de Cerveira (1509), por Duarte d’Armas

 

 

 

 

 

 

 

Retomemos o velho texto de Vasco da Ponte. Uma vez casado em terras lusas, o ex-cónego de Tui, Pedro de Soutomaior, recebeu o apoio de “(…) parentes, cunhados e amigos”. Três gradações de parentesco, com ou sem afinidades sanguíneas, capazes de mobilizar vontades e estabelecer semelhantes percursos de vida. Do conhecimento e compreensão do ambiente que o rodeou em Portugal, advém a possibilidade de esboçar um perfil condutor de Pedro Álvares, enquanto vassalo daquela corte.

Respeite-se a ordem do cronista. Em 1468, que parentes tinha Pedro em Portugal? Sigue leyendo O «mar português» de Pedro Colón (II) – Parentes

O «mar português» de Pedro Colón (I) – Estado da Arte

Peneda (o Viso) – Vista sobre ria de Vigo e Atlântico

 

 

 

 

 

 

 

 

Pedro Madruga não pode ter sido apenas e, tão só, o belicoso senhor feudal de Soutomaior, que cinco séculos de historiografia repassaram, motu continuum, elevado bastas vezes a legendário estatuto, e outras tantas submerso entre as trevas do medievo mais profundo. Foi também um conde português, membro da corte primo-renascentista de que se fazia rodear “o Africano” Afonso V, “rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar em África”, como então, significativamente, se intitulava.

Corte, que o historiador Saúl António Gomes, não hesitou em considerar como “uma das mais notáveis e civilizadas da época”, adjectivando consequentemente esse Príncipe, que biografava em 2006, como “erudito humanista”, bibliófilo, intelectual e esteta[1]. Sigue leyendo O «mar português» de Pedro Colón (I) – Estado da Arte

O Xadrez de Tordesilhas: Colón, «Alpedrinha», Caminha – Parte 1 – O “Príncipe”

Que me perdoe o meu amigo Rodrigo Cota pelo pseudo-plagio em que acabo de incorrer!

Que me perdoem igualmente os seus conterrâneos se por uma pequena vila do interior beirão português faço substituir a bela Pontevedra.

É que nenhum outro título assentaria tão bem ao que em seguida vou relatar, como o que me atrevo a fazer encabeçar estas linhas.

Acontece que o “puto” Jorge se criou nessa vila de Alpedrinha, corriam as primeiras décadas do século XV. Não se entendem os historiadores sobre a sua filiação nem data em que veio ao mundo. Fazendo fé na sua lápide tumular, o Jorge iria viver 102 anos! Feito digno de registo se acaso em épocas tão remotas já se bebesse cerveja Guinness e os frades copistas se entretivessem com o “estranho e fascinante mundo dos recordes”!

Sem ilusões e lendo as entrelinhas documentais, Manuela Mendonça, historiadora e a sua mais recente biografa, sistematizou em D. Jorge da Costa, Cardeal de Alpedrinha, editado em 1991, que o rapaz terá nascido provavelmente em 1416, filho de um humilde Martim Vaz e, procurando um futuro melhor terá calcorreado as estradas da vida enquanto jovem, acabando a estudar Latim, Filosofia e Teologia no Colégio de Santo Elói em Lisboa, “apadrinhado” pelo Reitor Padre João Rodrigues, e ordenado presbítero em meados dos anos 40. Sigue leyendo O Xadrez de Tordesilhas: Colón, «Alpedrinha», Caminha – Parte 1 – O “Príncipe”

Pavia e o Colón Galego

Hernando Colón garantiu preto no branco na “Historia del Almirante” que o pai, na sua juventude, aprendeu as letras e estudou num lugar chamado Pavia. Não há pois quem pretenda discorrer sobre as origens do “descobridor” que se arrogue passar ao lado desta questão assaz particular.

E se a Pavia italiana – com o seu Studio Generale fundado em 1361 – sempre foi a escolha óbvia sendo a Lombardia região vizinha da Ligúria, também logo houve quem estranhasse a frequência de tão elevado lugar a imberbe cardador de lãs. E mais se pesquisando, se não achou registo que ali colocasse o futuro navegador.

Aventou-se então que o biógrafo – em parágrafos anteriores sempre avesso a afirmar o que não sabia – sucumbira ali à compreensiva tentação de valorizar a sabedoria paterna, usando de inverdade! E se assim não aconteceu, crédito se lhe dê que, melhor ou pior filtrada, tal informação lhe terá chegado por palavras do próprio pai, nalgum momento calmoso da última viagem de Cristobal às Illas e Tierra Firme de Castilla.

Dado em finais do século XIX o mote contestante por Celso Garcia de La Riega, surgiram adiante catalães identificando o minúsculo povoado de Pavia na região de Segarra, e portugueses a vila alentejana de Pavia, sem que em ambos os casos se entenda como se poderia então ter educado um menor de forma a poder vir a “entender os cosmógrafos”, sem a existência local de estudos-gerais, ou mosteiros que lhos ministrassem!

Muito recentemente, Fernando Branco – o português que mais se aproximou de uma identificação credível para um Colón exclusivamente lusitano -, lembrou o rio beirão de Pavia que atravessa o que em tempos foram as terras centrais do ducado de Viseu, título criado para o Infante D. Henrique – o das “descobertas” -, e integrado na coroa com a elevação de D. Manuel a rei de Portugal. Naquela região pôde igualmente identificar um mosteiro mendicante, com fundação de 1410: São Francisco de Orgens. Sendo o almirante devoto franciscano, facilmente se deduz ser esta referência à região do rio Pavia, um dos pontos de maior crédito na tese do engenheiro português.

Esgotando-se em tal Pavia as hipóteses esgrimidas até esta parte, estranha-se que a “mãe” de todos os enunciados não-genovistas, nunca tenha “baixado a terreiro”, reivindicando premissas semelhantes para a educação de um Colón nascido galego! Porque enquanto foi ilustre nativo de Pontevedra sem face conhecida, sempre se supôs instruído entre os beneditinos de São Xoán de Poio; e quando Philippot lhe deu o rosto de Pedro Madruga, se considerou sem mais demandas que a criação se dera entre os dominicanos de Tui, por influência da tutoria de frei Esteban de Soutelo.

Santo Domingo de Tui

E de facto, São Domingos de Tui foi o convento onde este professou e se fez mestre em Sagrada Teologia antes de 1424, ano em que Aureliano Pardo Villar o documenta, ainda ali residindo e ensinando. No entanto, em 1430 já é outro o convento de sua morada, onde é prior, e anos depois, em 1449 por ser eleito Provincial de España, é obrigado a visitações sistemáticas e a uma maior permanência em Castilla, perto da corte. Destituído por bula papal de Fevereiro de 1454, acusado pelo bispo Barrientos no âmbito da reforma da província, só então regressa ao ponto de origem da sua carreira, vivendo em Tui os anos que lhe restaram.

Não se sabendo pois onde se encontrava aquele tutor de Pedro Madruga no início do ano de 1441, impossível se torna atestar o que Alfonso Philippot e Suso Vila garantem: Pedro de Sotomaior “ingressa en el convento de Santo Domingo de Tui, donde cursa sus primeiros estúdios”.

Asseguram por outro lado os fundos documentais da colecção diplomática de São Domingos de Ribadavia, que frei Esteban de Soutelo ali exerceu o cargo de prior em 1430, eleito provavelmente para o triénio 1430-32, uma vez que em 1433 é já frei García de Cusanza o responsável máximo pelo mosteiro.

Prova a listagem da sucessão de priores no convento de Pontevedra afecto à mesma ordem – também publicada por Pardo Villar -, ser corrente que uma vez findo o tempo para que foram eleitos, permanecessem no mesmo convento assumindo novas ou resgatando antigas funções, chegando por vezes a ser reeleitos alguns anos mais tarde. Foi disso caso paradigmático em Pontevedra, frei Pedro de Salnés, prior entre 1432 e 1437, entre 1440 e 1441, em 1445, e num último período entre 1448 e 1451.

Santo Domingo de Ribadavia

Viabilizam estes factos supra mencionados a hipótese de frei Esteban de Soutelo ter continuado a leccionar no convento de Ribadavia, assistindo mesmo ao incêndio que poucos anos mais tarde afectaria parte das instalações. Essa possibilidade autoriza a eventualidade de ainda ali residir quando, por manda testamentária de Fernan Yañez de Soutomaior (Novembro de 1440), tomou a seu cargo a educação para clérigo do jovem Pedro, bastardo que a história conhecerá pela alcunha de “Madruga”.

Acontece que nesses tempos medievos, a vila nascida na margem do rio Avia se conhecia pelo nome latino de Ripa Avie. Cabe ao padre Samuel Eiján tal afirmação, constante nas páginas da sua “Historia de Ribadavia”, e mais atesta que o nome porque actualmente se designa, só foi oficialmente adoptado em sessão camarária de 8 de Dezembro de 1860! Foneticamente soaria então como “Ripavia”, provavelmente com acentuação esdrúxula que lhe adviria pela aglutinação do “a”.

Decerto se não reunirão consensos avaliando semelhanças e igualdades. Nem tampouco se admitirá discutir, se a um velho almirante septuagenário coube pronúncia velada, ou a um jovem grumete ouvido menos atento em terras do Novo Mundo. Porém, a ninguém será indiferente que Ribadavia não tem por que não ser a Pavia onde o Colón galego, no entender do padre Las Casas “estudió los primeiros rudimentos de las letras, mayormente la gramática, y quedó bien experto en la lengua latina”.

 

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«Terra Rubra»

Pôr-do-sol no rio Minho

Muito já se escreveu sobre o tema da expressão latina utilizada em determinada altura pelos irmãos Colón: » (…) DE TERRA RUBRA». Italianos, catalães, gregos e portugueses apresentaram já as suas razões, identificando todos eles inconclusivas posições geográficas para berço ou origem do Almirante e seu irmão. Espero contudo não incorrer em nenhuma falha, se disser que na Galiza, ainda se não apresentou qualquer teoria neste particular. Contudo, como a obra é vasta, desde já avanço as minhas humildes desculpas, se acaso tal houver já acontecido e eu o ignore.

Sem entrar em divagações sobre hipotéticos significados implícitos na conjunção de ambos os vocábulos, será concensual dizer que «TERRA» corresponde à definição de um dos quatro elementos, e «RUBRA», melhor dizendo em latim correcto «RUBERA», não é mais do que a cor vermelha muito intensa, também chamada «vermelhão». Até aqui nada de novo.

Acontece que em tempos muito remotos, certo rio da Península Ibérica era afamado e muito cobiçado por dele se extrair ouro, metal que faz rodar o mundo desde que há memória… E o seu leito cedo foi sujeito às devastadoras demandas eldoradas, resultando da sua exploração um lodo ocre-avermelhado, semelhante aos que se podem encontrar nas minas de ouro ou prata. Infelizmente, ou não, já na Idade Média se acabara há muito tal receita, ficando aos povos apenas sumida memória dos factos, parcamente documentada por esparsos testemunhos que, francamente, até o tempo consumiu.

Porém, algo subsistiu para nos fazer pensar: o nome que designava essa torrente de água. Uma designação que evocava a cor que então o rio parecia levar,  que às populações dos alvores do segundo milénio já não era dado observar, e que nos dias correntes, ante a evidência das suas águas da cor de qualquer rio, nos suscita descrença. Um caudal de água cristalina, a que chamavam «Vermelhão» pela cor das terras que cubria.

Podia ter-se chamado «Rubro», se acaso as águas o fossem. Mas assim não era. «Rubra» era a terra que lhe dava leito, e o rubor apenas transparecia nas águas; não era parte delas. Por isso o achavam de vermelhão pintado mas nunca tingido: «minio» como então se dizia; «Minho» como hoje se lhe chama. A fronteira natural entre Portugal e a Galiza. Por isto, «Terra Rubra» também é «Aqua Minio».

E nunca é tarde para lembrar Marcelo Gaya y Delrue que em 1953, muito longe ainda da tese de Philippot, escrutinava deste modo a origem de Colón: «(…) debía ser un galaico-portugués de la región de Tui (…) de uno de los pueblos que (…) cambió de nacionalidad (…) en 1479, en fin de la guerra de sucesión de Castilla». O retrato de Pedro Madruga… de «Terra Rubra»!

Baracoa: Portosanto de Colón

Se para o Almirante, a baía de Acul era tecnicamente o melhor porto do mundo[1] e por isso a baptizou com o nome do mar frente ao “seu” porto de Cambados, na ria de Arousa (Pontevedra), natural se torna perguntar, qual foi a terra que mais o encantou sobre as demais, e que nome lhe terá então dado?

Comparação entre o recorte costeiro das baías de Miel e Baracoa (Cuba), e Portosanto de Poio (Pontevedra)
Fonte: Google Earth

A baía de Baracoa (Cuba) é a resposta, e “Puerto Santo” a chave toponímica em causa.

Descobriu o local a 27 de Novembro, cerca de três semanas antes de fundear no tal porto que comparou a Cambados e chamou “Mar de Santo Tomé”. Era uma baía larga (Baía de Miel) que apresentava a Oeste uma outra mais pequena em concha, com características de porto (Baía de Baracoa). Deslumbrado, não regateou adjectivos para qualificar a terra que via, mas o primeiro escolhido, prova como a considerou desde logo, única: “Un singularíssimo puerto”.[2]

Bartolomeu de Las Casas afirma mesmo que o Almirante “dice maravillas de la lindeza de la tierra y de los arboles”, acabando por concluir, encantado, que “era la más hermosa cosa del mundo”. Logo chamou ao lugar “Puerto Santo”.[3]

Mas como parte dessa beleza lhe vinha das muitas ribeiras que desciam as suaves vertentes das suas encostas, autores há que afirmam que na ilha portuguesa de Porto Santo se inspirou Colón, para lhe atribuir o nome. Óbvia confusão com a hidrografia da paradisíaca ilha da Madeira, ali bem perto e contudo tão diferente da “ilha dourada”, nome porque também se conhece a ilha de Porto Santo, devido à cor do seu solo arenoso e da sua vegetação. Para além do mais não tem ribeiras, ao contrário da ilha vizinha. Não possui sequer cursos de água permanentes, e a pluviosidade é baixíssima. Nada mais distinto da baía de Baracoa de que vimos falando, onde os navios do Almirante foram obrigados a permanecer seis dias, por causa do vento e da muita chuva!

Não sendo pois crível que o modelo geográfico servisse de termo comparativo para o caso português, necessário se torna reverter para o modelo sugerido já em 1898 por Celso García de La Riega, na conferência que pronunciou na Sociedad Geográfica de Madrid, apresentando ao mundo a teoria de ser Cristobal Colón galego, oriundo de Pontevedra: a “pequeña ensenada de Portosanto, lugar de marineros, en la parroquia de San Salvador (Poio).[4]

Segundo opinião expressa por Alfonso Philippot Abeledo, a “semejanza de éste lugar com la Bahía de Miel, en Baracoa, quedó plenamente demonstrada a través de las oportunas filmaciones del matrimonio Mansfield, hechas a princípios de siglo (XX).[5] Aqui fica também outra achega a essa afirmação, através da comparação por imagens de satélite, das linhas de costa mencionadas. Tal como no caso de Acul / Cambados, a semelhança também aqui é gritante, permitindo que desse modo se possa levantar a fundamentada suspeição, de que o Almirante conhecia ao pormenor este ponto crítico da ria de Pontevedra que nela marca a desembocadura do rio Lerez.

Sendo esse conhecimento uma realidade, e repetindo o Almirante maravilhas de muitos dos locais descobertos, só uma grande empatia da sua parte poderia justificar que de entre todos, o único que lhe lembrava o “Portosanto” de Poio – onde provavelmente nasceu -, fosse “la más hermosa cosa del mundo”!

Quase como se Cristobal Colón nos tivesse deixado, deste velado modo, duas das suas mais notáveis impressões de foro íntimo:

PORTOSANTO – A MAIS FORMOSA TERRA DO MUNDO

CAMBADOS – O MELHOR PORTO DO MUNDO


[1] Navarrete, M. F. (1858). Coleccion de los viajes y descubrimentos que hicieron por mar los españoles desde fines del siglo XV (2ª ed., Vol. I). Madrid, España: Imprenta Nacional, pp. 248-253

[2] Ibidem, pp. 220

[3] Ibidem, pp. 224

[4] García de La Riega, C. (1899). Cristobal Colón. Español? Conferencia en sesión pública celebrada por la Sociedad Geográfica de Madrid. Madrid, España: Establecimiento Tipográfico de Fortanet, pp. 37

[5] Philippot Abeledo, A. (1994). La Identidad de Cristobal Colon (5ª ed.). (A. P. Abeledo, Ed.) Vigo, Galicia, pp. 146

Cambados: o porto da discordia

Comparação entre o recorte costeiro de Acul (Haiti) e Cambados (Galiza)
Fonte: Google Earth

Enrique Zas provou pela primeira vez ao mundo há cerca de noventa anos, que Cristóbal Colón conhecia detalhadamente os portos de Cambados e Santo Tomé, na ria de Arousa. O facto por vezes esquecido de alguns, foi-nos há dias relembrado por Rodrigo Cota, aqui mesmo em “Colonianos”.No seu livro de 1923 “Galicia, Patria de Colón”, Zas apresentou dois mapas traçados à mão: o da baía de Acul, no actual Haiti, a que Colón chamou originalmente «Porto de la Mar de Santo Tomé”; e o da enseada de “Santo Tomé do Mar”, a sul de Cambados que já levava essa designação muito tempo antes da existência do Almirante. Depois reafirmou: “es sorprendente la semejanza de este puerto de Santo Domingo (…) com el que existe en Cambados (Galicia) (…). No es pues solo la configuración sino que también el denominativo, lo que ofrece singular semejanza”.[1]

Nos comentários à entrada em “Colonianos” acima referida, já Fernando Alonso provou por imagens do Google Earth que, além de não ter havido manipulação da parte de Zas, a realidade apresenta as mesmas semelhanças da cartografia. Saliente-se que o relevante não é o serem idênticos que, de facto, não o são e só por milagre o seriam; o que se regista é a sua semelhança morfológica.

Dir-se-ia que Enrique Zas só pecou por não ter sido tão ambicioso na comparação. De facto, entrando no “mar de Cambados” (pedaço da ria frente ao porto daquele nome), as semelhanças são ainda mais gritantes. E é esta outra “prova irrefutável” da comparação entre Acul e Cambados.

Não só esta, como outra que fará o corpo deste texto, baseada na seguinte dedução lógica: se Colón honrou além-mar aquele porto galego que bem conhecia, e os Soutomaior em 100 anos dele usufruíram e por ele litigaram; então COLÓN podia ser um SOUTOMAIOR!

Vista de Cambados sobre o Oceano Atlântico

De facto, em Agosto de 1371[2] o arcebispo de Santiago, reconhecido pelos serviços daquele que fora até então o arcediago do Salnés, D. Álvaro Pais de Soutomaior, concede-lhe entre outras freguesias, Cambados e Santo Tomé (de Nogueira).

Segundo Otero Pedrayo, foi o otorgamento também feito em nome da sua mulher D. Maior de Grés e Moscoso, e em mais duas vidas que lhes sucedessem[3]. Sendo esta senhora sobrinha-neta do arcebispo, deduz-se ter este benefício sido feito, à guisa de dote do matrimónio que ocorreu durante esse mesmo ano, tendo previamente o Soutomaior renunciado aos votos religiosos, para também suceder na Casa paterna, morto que estava o irmão primogénito, precocemente e sem geração.

Conforme sugere Villaverde Román[4], essas decisões unilaterais geravam por vezes sobreposições de interesses entre o arcebispado e as ordens militares que dispunham de jurisdição nos mesmos territórios. Esse foi um dos casos que obrigou a concertação posterior com as ordens do Santo Sepulcro e do Hospital.

Independentemente do processo seguido, a vila e porto de Cambados pertenceu à Casa de Soutomaior desde 1371, na condição de foreira com jurisdição civil e criminal, “alto vajo misto ymperio com sus pechos y derechos y todas las rentas y derechuras del mar y de la tierra y el patronasgo de las yglesias y benefícios”. E da mesma forma lhes pertenceu a jurisdição do porto de Santo Tomé.[5]

Morto Álvaro Pais algures na transição para o século XV, sobreviveu-lhe a viúva que em 1416 ainda vivia na vila, no “pazo e courral deso o piñeiro”, na condição de sucessora no foro, datando desse ano uma escritura em que nomeia os netos Fernan Yañez de Soutomaior e Lope Sánchez de Ulloa, como sucessores “para después de sus dias”.[6] É de crer que se terão cumprido “esses dias” à volta de 1421, uma vez que em Junho desse ano os novos foreiros, sob o testemunho do notário de Pontevedra Alfonso Perez, acertam os pormenores da partição daqueles bens pela metade[7].

Vista sobre O Grove e entrada da enseada de Santo Tomé do Mar, com as ruinas da torre de San Sadurniño.
Foto de J. Mosteiro

Meio século se havia já passado em que os Soutomaior estiveram na posse plena de Cambados. A partir deste acordo de 1421, o aforamento daquela vila portuária e também do porto de Santo Tomé, para além do extenso rol de freguesias, coutos e lugares que lhes estava associada pela concessão do arcebispo Moscoso, passou a ser considerado “pela metade”, entre os Soutomaior e os Ulloa.

Bem sintetiza aquela época da Galiza feudal, o facto de dois nobres de relevância repartirem e estipularem entre si, que bens ficariam ao Santo Sepulcro e quais caberiam aos Hospitalários de São João! A cada um deles, ficava o encargo de 400 maravedis anuais: 200 ao Comendador de Toroño (Ordem de São João); e outros 200 ao Comendador de Pazos de Arenteiro (Ordem do Santo Sepulcro). Magra quantia para decerto bem maiores rendas que a tenência daqueles territórios gerava.

E o interesse na sua posse demonstra-se pela simples leitura das mandas testamentárias ditadas à beira da morte em 1440, pelo primeiro daqueles cavaleiros: a sua sucessão deveria caber sem reservas ao filho único, Álvaro, ainda solteiro; se aquele não viesse a gerar herdeiro legítimo, herdava a tia D. Maior de Soutomaior; e ainda depois desta, caso o “problema” subsistisse, ficaria contemplada a sucessão na Casa àquele Ulloa, mas só na condição de “que tome el apelido, e armas de Sotomayor, e que si lo ansi non ficier e que non pueda haver, ni heredar cosa alguna dello”.[8]Na opinião de Suso Vila, as referidas partições viriam, já na década seguinte, a servir de arras e dote no casamento dos primos Álvaro de Soutomaior e Maria de Ulloa, filhos respectivamente de Fernan Yañez e Lope Sánchez[9]. Procurava-se deste modo, reunir de novo o pleno de Cambados sob tutela dos Soutomaior.

Fachada do pazo que Maria de Ulloa fez reconstruir na metade final do século XV, sobre o antigo pazo onde viveu D. Maior de Grés e Moscoso até cerca de 1420

Sem que a mulher fosse capaz de engendrar um herdeiro, e talvez influenciado pelo exemplo paralelo do rei Enrique IV de quem era próximo, Álvaro de Soutomaior procurou anular o casamento junto da Santa Sé, aparentemente sem nunca o conseguir. Morreu em 1468, na defesa de Tui frente aos “irmandiños”, deixando a viúva como única foreira de Cambados. Remodelaria os velhos pazos e seria promotora da igreja de Santa Mariña do Dozo.

Entretanto, legitimado pelo falecido irmão com autorização expressa de Enrique IV[10], Pedro Madruga, com o apoio, entre outros, do arcebispo de Santiago D. Alonso de Fonseca, derrota a rebelião “irmandiña”, tomando posse de todos os bens “muebles y rraizes” que haviam pertencido àquele Álvaro de Soutomaior. Recuperado o património, serenou-se a nobreza galega nos alvores da década de 70. Só o prelado de Santiago tentava reaver os bens do arcebispado, sob o controle das linhagens mais relevantes.

Contudo em 1471 decorrido que estava exactamente um século desde a concessão inicial, o porto e “vila velha” de Cambados, juntamente com o povoado marinheiro de Santo Tomé do Mar, pareciam afastar-se irremediavelmente da Casa de Soutomaior: insinuava-se o arcebispo Fonseca à viúva Ulloa, com os olhos postos no rendoso “mar de Cambados”!

Vista sobre a entrada da baía de Acul (Haiti).
Foto de Nick Hobgood

Baseando-se em documentos do “Preito Tabera-Fonseca”, Suso Vila ressalta que a delicada situação se pretendeu resolver no seio da própria linhagem, promovendo-se o casamento da libertina viúva com outro Soutomaior, da Casa de Lantañón, filho primogénito do mariscal Sueiro Gómez. Reagiu o arcebispo a contento da amásia, prendendo os referidos cavaleiros e nela gerando Diego, futuro titular consorte do condado de Monterrey[11]. Desse modo se consumava em 1473 aquele concubinato, agravando ainda mais a honra da linhagem do defunto marido, uma vez que, como muito claramente expõe Molinero Merchán, a honestidade das viúvas fazia a honra dos homens da família, “assim como a virgindad en las doncellas y fidelidad en las casadas”.[12] Nisso concorda Suso Vila, para quem o amancebamento de Maria de Ulloa acarretar-lhe-ia a“ perda das arras, e polo tanto da metade de Cambados”.[13]

Pedro Madruga não tardaria a ocupar aquela vila portuária e todo o couto de Nogueira que lhe estava associada. Por isso muito do ódio desenvolvido entre D. Alonso de Fonseca e o futuro visconde de Tui e conde de Caminha, ter-se-á originado nesta disputa por Cambados que se manteve latente ao longo de toda a década de 70.

A instância do senhor de Soutomaior, no ano de 1474 frei Juan de Valenzuela, prior de Leão e Castela na ordem de São João de Jerusalém, apresentou no capítulo de Cuenca, a escritura de 1371, vendo confirmados o seu teor, forma e cláusulas, por se considerarem ainda úteis e proveitosas para os Hospitalários[14]. Ficava assim ganha por Pedro Álvares de Soutomaior, a batalha legal pela metade de Cambados e Nogueira.

MAR DE SANTO TOMÉ
(Nome dado por Colón em Dezembro de 1492)

É sabido que Enrique IV morreu nesse final de ano, deixando o trono de Castela numa indefinição que levou à guerra peninsular opondo Isabel e Fernando de Aragão, a Juana e Afonso de Portugal. Também é lugar-comum que aos primeiros apoiou na Galiza o arcebispo Fonseca, enquanto os segundos tiveram o suporte incondicional de Pedro Madruga. Subitamente, conseguia a guerra por Cambados, um registo ibérico insuspeitado!

Saindo embora derrotado dessa meia década de contendas, o Conde de Caminha viria ainda assim a receber o perdão dos Reis Católicos em Março de 1480, recuperando todos e “qualesquier bienes que, por cabsa de haver servido e seguido al dicho rey de Portogal, le fuesen tomados e ocupados”.[15] Por certo que o assunto dos portos de Cambados e Santo Tomé do Mar, não se resolveu com a mesma facilidade do porto de Cangas, ou das fortalezas de Soutomaior e Fornelos, sobre que não havia dúvidas acerca da sua posse efectiva antes da guerra peninsular. Fonseca, no lado vencedor, pressionava contra a pretensão de Madruga em reaver a metade daqueles territórios, e não acatava a carta[16] que nesse sentido fora enviada a Maria de Ulloa, pela chancelaria real na mesma data.Finalmente, em Abril de 1484, as demandas de um e outro lado parecem ter a solução à vista: Isabel a Católica manda nominalmente que se restitua “a don Pedro Alvarez de Sotomayor, conde de Camiña, los lugares de Cambados y Noguera”.[17]

Avança o conde mais do que a conta, ocupando igualmente a metade que lhe não competia. Reage o arcebispo em defesa da manceba e quatro meses volvidos, novo documento da rainha afasta definitivamente Pedro Madruga da metade de Maria de Ulloa.[18]  Ficava reposta a verdade legal, cabendo no entanto ao Soutomaior algum amargo de boca!Os anos seguintes testemunham o declínio do conde de Caminha, a sua hipotética morte e sucessão do primogénito D. Álvaro de Soutomaior, incapaz de suster a pressão legal imposta sobre muitos dos seus bens. Alonso de Fonseca, procurando a revanche das humilhações que sofrera às mãos do pai do novo titular da Casa, ocupava militarmente os portos atlânticos dos Soutomaior: Cangas e Cambados. A morte de Álvaro, assassinado em 1495, marca o fim da posição dominante da linhagem no trato de mar das rias galegas.

SANTO TOMÉ DO MAR
(Nome antigo e ainda em uso para o «mar de Cambados»)

Nessa altura porém, é de crer que Pedro Madruga vivia ainda, sob a identidade de Cristóbal Colón, procurando reconstruir um novo potentado marítimo para senhorear enquanto “Visorey y Governador General” , e oito anos não eram suficientes para esquecer o orgulho de um século. Santo Tomé do Mar de Cambados por certo continuaria a ser a “menina dos olhos” do Almirante.

A 21 de Dezembro de 1492, reconhecendo a costa do Haiti, deslumbrava-se com certo porto, “hermosíssimo” no seu parecer, cuja entrada desde o mar pareceria “impossible a los que non hubiesen en él entrado, por unas restingas de peñas que pasan desde el monte hasta casi la isla, y no puestas por orden, sino unas acá y otras acullá, unas a la mar y otras a la tierra”.[19] Podia ser o retrato da entrada desde o Atlântico, no mar de Cambados… em Santo Tomé do Mar.

Descrevia ainda que a Oeste da entrada do porto havia um canal com uma boca que dava acesso a uma enseada ideal “para todos los ventos que puedan ventar”, fechada e profunda. A “boca” que a guardava era “muy cerrada de dos restingas de piedra que escassamente la ven sobre agua”. Parecia ter sido feita à mão, deixando “una puerta abierta cuanto los navios puedan entrar”. Só quem nunca viu a enseada de Santo Tomé do Mar e as suas ilhotas rasas à água guardadas pelos escombros de San Sadurniño, pode deixar de reconhecer aqueles traços familiares descritos por Colón

Na posse do diário do Almirante, pôde o padre Bartolomeu de Las Casas resumir o sentir maravilhado do descobridor[20]: “Es el mejor del mundo; púsole nombre el Puerto de la Mar de Santo Tomé, porque era hoy su dia[21]: dijole mar por su grandeza”.


[1] Zas, E. (1923). Galicia, Patria de Colon. (C.P.-C. Habana, Ed.) Habana, Cuba, pp. 32-33.

[2] Rodríguez González, A. (1992). Documentación Medieval del Archivo Histórico Diocesano de Santiago. Compostellanum XXXVII, Nº 3-4, pp. 381

[3] Otero Pedrayo, R. (1951). Bienes y derechos de los caballeros sanjuanistas en tierra de Morrazo y villa de Pontevedra. El Museo de Pontevedra, VI, pp. 33

[4] Villaverde Román, X. C. (1999). As xurisdiccións nas freguesías moañesas durante a Idade Media. (B. P. Moaña, Ed.) Obtido em 26 de Maio de 2012, de Biblioteca Publica de Moaña: http://moana.servidores.net/libros/freguesias.htm

[5] Tato, I. G. (2004). Las Encomiendas Gallegas de la Orden Militar de San Juan de Jerusalén. Estudio y edición documental (Vol. I). Santiago de Compostela, Galicia: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Xunta de Galicia, Instituto de Estudios Gallegos «Padre Sarmiento», pp. 59

[6] ibidem, pp. 61

[7] Martínez, C. P. (2007). Documentos da Orde do Santo Sepulcro en Galicia. Anuário Brigantino, 30, pp. 220-221

[8] Vila, S. (2010). A casa de Soutomaior (1147-1532) (1ª ed.). Noia, Galicia: Editorial Toxosoutos, pp. 448-449

[9] ibidem, pp. 274

[10] ibidem, pp. 461-465

[11] ibidem, pp. 288-289

[12] Molinero Merchán, J. A. (2007). El convento de Santa Clara de la Columna de Belalcázar. Estudio Histórico-Artístico. Córdoba, España: Diputación Provincial de Córdoba – Delegación de Cultura, pp. 62

[13] Vila, S. (2010), pp. 274

[14] Tato, I. G. (2004), pp. 259

[15] La Torre, A., & Fernandez, L. S. (1960). Documentos referentes a las relaciones con Portugal durante el reinado de los Reyes Catolicos (Vol. II). Valladolid, España: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas. Patronato Menedez Pelayo, pp. 22-25

[16] AGS. RGS,LEG,148003,343. 7 de Março de 1480

[17]  La Torre, A., & Fernandez, L. S. (1960), pp. 289

[18] Vila, S. (2010), pp. 275

[19] Navarrete, M. F. (1858). Coleccion de los viajes y descubrimentos que hicieron por mar los españoles desde fines del siglo XV (2ª ed., Vol. I). Madrid, España: Imprenta Nacional, pp. 248-249

[20] ibidem, pp. 253

[21] A co-relação entre a data e a festa litúrgica do santo é um facto circunstancial, e não justifica por si só a designação escolhida, face à associação dos termos “Porto” e “Mar”, e à evidente semelhança geográfica com o “mar de Cambados”.

 

O «mar português» de Pedro Colón (V) – Teria estado na Mina?

 

Foz do rio Minho. Foto de Luís Miguel Cruz

 

Sobejam, pois, referências factuais, integrando as casas de Távora e de Pombeiro da Beira, no processo marítimo português, pelo menos desde os anos trinta do século XV, com particular incidência nas décadas de cinquenta e sessenta, em que o cargo de Almirante de Portugal foi exercido por dois dos seus elementos. É precisamente à data do falecimento do último destes (1467), que se vai negociar o matrimónio de Teresa de Távora (1468).

Que outra razão, que não a mais-valia do controlo extra de quase quarenta e cinco milhas da costa ocidental galega, levaria Afonso V de Portugal, a aceitar e promover a entrada de um nobre castelhano, numa das linhagens mais afectas ao seu conselho, à segurança da capital do reino, e à eventual política de sigilo atlântico a que já se referiram inúmeros estudiosos? E seria desprezável a capacidade mobilizadora e armadora, de uma casa como a de Soutomaior, nas rias de Vigo, Pontevedra e Arousa, quando Portugal se preparava para novas investidas norte africanas, ainda no âmbito do apelo de Calisto III à Cruzada anti-otomana[1]?

Pelas razões atrás evocadas, bem assim como pela constatação de que, entre os aliados familiares mais próximos, podia o conde de Caminha encontrar quem dominasse a grande maioria dos pontos-chave da costa portuguesa e dos leitos fluviais de maior relevância, deve poder questionar-se qual o verdadeiro papel que Pedro Álvares de Soutomaior representou na corte portuguesa, de 1469 a 1485. Tal janela interpretativa não pode mais ficar posta de parte, quer na historiografia galega, quer na portuguesa. Urge reequacionar a figura de Pedro Madruga, também enquanto homem de mar, armador ligado às rotas de comércio e corso, participante activo – directa ou indirectamente – no movimento renascentista dos descobrimentos marítimos da segunda metade do século XV português.

Termino com uma pergunta potencialmente perversa.

Atlântico e São Jorge da Mina

Após o pacto de Alcáçovas-Toledo que, em 1479, pôs fim à guerra de sucessão peninsular, o perdão do conde de Caminha dependia do acatamento das disposições ditadas pelos Reis Católicos. De todas, a mais importante e mais penalizante, seria a entrega de Tui e respectivo preito de vassalagem ao bispo Diego de Muros. Em finais de 1481, a cidade estava ainda na posse do governador Acuña, representante dos Católicos. O acordo com Soutomaior, estipulava que até 15 de Janeiro seguinte, esta lhe fosse entregue, para que pudesse cumprir os protocolos de menagem, reconhecendo a soberania do prelado. Contrariando as expectativas, Pedro Álvares não esteve presente, enviando procuradores[2].

Simultaneamente – segundo um estudo dedicado ao “Castelo da Mina” por Carlos Antero Ferreira – , navegava no atlântico, uma armada de dez caravelas, um navio pesqueiro e duas urcas, sob o comando de Diogo de Azambuja, fundeando na costa da Mina nesse mesmo 19 de Janeiro. Dois dias mais tarde, teve início a construção da primeira fortaleza portuguesa do litoral ocidental da África[3], onde Colón afirmou ter ido algumas vezes.

Escrevendo sobre Tui, Suso Vila documenta que, a 23 de Janeiro, ainda se esperava a qualquer momento, a vinda de Pedro de Soutomaior «a Caminna ou Valença ou daquel cabo», para que fosse a Tui cumprir o acordado com Acuña e o bispo Muros, o que só aconteceu passados quase três meses e meio, no princípio de Maio[4].

Entretanto, a fortaleza da Mina ganhava forma rapidamente. Em meados de Fevereiro estavam levantadas as muralhas e o sobrado da torre. Presume-se que a esse alucinante ritmo, estivesse concluída em finais de Março, senão mais cedo. Depois, o capitão-mor enviou de regresso a frota e, se a viagem de ida demorara cerca de cinco semanas, conclui-se que em Abril já os navios demandassem a costa portuguesa.

Pedro – que esse era também o nome de Colón segundo Lúcio Marineo Sículo[5], cronista dos Reis Católicos – poderia estar em todos os lugares do mundo conhecido de então, menos no norte português ou no sul galego; estrategicamente, talvez aguardasse apenas que o tempo ganho numa propositada demora lhe fosse favorável de alguma forma; mas o bom senso, obriga à pergunta: pela demora, teria o conde de Caminha estado na Mina?


[1] Gomes, S. A. (2006), pp. 177-178.

[2] Vila, S. (2010), pp. 176-177.

[3] Ferreira, C. A. (2007). Castelo da Mina. Da Fundação às Representações Iconográficas dos Séculos XVI e XVII. Lisboa, Portugal: Livros Horizonte, pp. 17-27.

[4] Vila, S. (2009). A cidade de Tui durante a Baixa Idade Media (1ª ed.). Noia, Galicia: Editorial Toxosoutos, pp. 165.

[5] Marineo Sículo, L. (31 de Julho de 2008). L. Marinei Siculi regii historiographi opus de rebus Hispaniae memorabilibus modo castigatum atq. Caesareae maiestatis iussu in lucem editum, 1533. (M. d. Enguia, Ed.), pp. 106v. Obtido em Janeiro de 2011, de Memoria Digital Vasca: http://hdl.handle.net/10357/374

Pedro Madruga, Cavaleiro de São João de Rhodes ( III ) – o tempo de Cristóvão Colón

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Manuel da Maia foi Tabelião em Abrantes. A pedido do Juiz de Fora André de Matos Almada, dará provimento, em Junho de 1596 e Novembro de 1598, a dois documentos, um requerido por Sebastião de Valadares Soutomaior, e o outro por Fernão Soares Galhardo, fidalgos daquela vila. …

Coincidiam aqueles instrumentos legais, ao tratar do parentesco entre ambos os requerentes e um outro familiar comum que fora Alcaide-Mor da vila de Seda, tudo devidamente atestado por várias testemunhas presentes.

Como antepassado comum, apresentavam o Fidalgo da Casa Real Diogo Ribeiro de Soutomaior, filho de Fernando Anes de Soutomaior, fidalgo morador em Arruda-dos-Vinhos, e neto de D. Cristóvão de Soutomaior.

O primeiro genealogista a fazer uso destas fontes foi Bernardo Pimenta do Avelar Portocarreiro, entre 1713 e 1722, no seu manuscrito Das Gerações Nobres deste Reino de Portugal, logo seguido por Jacinto Leitão Manso de Lima, um dos mais notáveis genealogistas do século XVIII, autor de 56 volumes manuscritos sob o nome de Famílias de Portugal. Ambos os tratados fazem parte do catálogo das “genealogias manuscritas” do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa.

Conhecedores do seu ofício, ambos identificaram aquele D. Cristóvão com o único possível, referido nos documentos coevos: o benjamim do casamento de D. Pedro Álvares de Soutomaior, Conde de Caminha, com D. Teresa de Távora, que foi “secretário de Filipe II e morreu na Conquista das Índias Ocidentais”. Não se lhe conhecendo casamento algum, aquele Fernando Anes teria inevitavelmente de ser seu filho natural, mesmo que cronologicamente, a hipótese carregasse em si mesma, um erro de cerca de meio século, correspondente, no mínimo a duas gerações.

Um simples exercício matemático de recuo no tempo, tomando como ponto de partida três descendentes de linhas diferentes, bem datados e documentados, que viveram na segunda metade do século XVI, demonstra-o sem grande dificuldade: o pai daquele Fernando de Soutomaior teria inevitavelmente nascido nos anos 30 do século XV, e nunca à roda de 1480, como o Cristóvão, filho de Pedro Madruga, o tal que morreu nas Índias de Colón!

Senão vejamos: considere-se como valor médio para a idade casadoura de um varão naquele tempo, os 27 anos, dois anos após a maioridade legal de então. Esse número base deverá ser multiplicado pelo número de gerações desde a personagem que pretendemos datar. Seguidamente subtrairemos o valor obtido às três datas de nascimento documentadas. Obteremos um ano aproximado para o nascimento do referido progenitor daquele Fernando de Soutomaior.

O primeiro descendente documentado é Cristóvão de Valadares Soutomaior, nascido em 1543, terceiro neto de D. Cristóvão; 27 anos x 4 gerações = 108 anos; 1543 – 108 = 1435.

Segue-se Isabel Fradessa do Avelar, nascida em 1547, também 3ª neta de D. Cristóvão; 27 x 4 = 108; 1547 – 108 = 1439.

Finalmente, para Cristóvão do Avelar Soutomaior, nascido em 1571, 4º neto de D. Cristóvão; 27 x 5 = 135; 1571 – 135 = 1436.

Recorrendo ao absurdo para resolver a questão, tomemos o primeiro exemplo, e consideremos uma menos do que provável hipótese de uma diferença de apenas 15 anos entre gerações: 15 anos x 4 gerações = 60 anos; 1543 – 60 = 1483. Esta era a única forma de podermos ter Fernando Anes de Soutomaior como filho natural daquele D. Cristóvão morto nas Índias Ocidentais.

Deste modo, e perante as evidências documentais, uma conclusão deve ser extraída: o pai deste Fernando tinha de ser contemporâneo de Pedro Álvares de Soutomaior, e nunca de seu filho mais novo.

Posto o enigma, só existem duas respostas, elas próprias impossíveis de esclarecer com base na documentação hoje existente: ou os intervenientes no processo mentiram em bloco ao jurarem a sua ascendência perante o tabelião Manuel da Maia em 1596 e 1598… e então este artigo termina aqui; ou o que disseram era a verdade distorcida pela distância de um século a mediar os factos… e então podemos genuinamente perguntar-nos se aquele D. Cristóvão de Soutomaior não seria uma confusa simbiose entre D. Cristóvão Colón e D. Pedro Alvares de Soutomaior.

A ser assim, poderemos estar perante um outro filho natural do cónego de Tui, quiçá o primeiro rebento da vasta prole de Pedro Álvares, e daí ter recebido o nome do avô, clássica actuação na linhagem dos Soutomaior de Tui. Diz-nos o investigador Suso Vila Pérez, na página 479 da sua já mencionada obra sobre Tui, que naquela sede de bispado os eclesiásticos tinham uma importante influencia enquanto cidadãos, “a través dos seus fillos – a maioria declarados – mancebas, criados, e outros parentes”.

O nascimento de Fernando Anes de Soutomaior só faz sentido entre a segunda metade dos anos 50 e os primeiros anos da década de 70 do século XV. É igualmente admissível que se tenha criado com sua mãe em Tui até contrair matrimónio, por negociação paterna, com uma senhora de varonia d’o Ribeiro e linhagem de Valadares, atendendo aos apelidos que tiveram os filhos Diogo, Gaspar e Brás. Neste ponto, é interessante citar Alfonso Philippot, que documenta o padrasto de Pedro Álvares de Soutomaior com o dito apelido d’o Ribeiro; também José Armas Castro em Pontevedra en los siglos XII a XV, refere um Juan do Ribeiro, mercador e alcaide de Pontevedra em 1487 e 1493; bem assim como José Garcia Oro que amiúde refere nas suas obras que tanto os Montenegro como os Valadares foram escudeiros dos Soutomaior, até à cisão provocada pela Guerra da Sucessão ao trono de Castela depois da morte de Enrique IV.

Sabendo dos interesses comerciais dos Soutomaior no tráfego marítimo de Pontevedra, não será de estranhar que nos anos 70 e 80, o período de maior influência de Pedro Álvares de Soutomaior em Portugal, este seu filho fosse “transferido” para o país vizinho, e se implantasse numa região afamada pela produção de vinhos que então se escoavam pelo rio Tejo via Lisboa, não só para consumo interno, como para exportação. Sobre este assunto, o acima citado José Armas Castro, afirma que “(…) llegaban a Pontevedra los vinos portugueses de Monção y, sobre todo, de la ria de Lisboa, traídos en ocasiones por los própios mercaderes portugueses y, más frecuentemente, cargados por los barcos pontevedreses (…)”.

Pela ordem de ideias que vamos seguindo, este Fernando Anes seria meio-irmão de D. Cristóvão de Soutomaior, e mais velho que ele entre cerca de um quarto de século e uma década; foi pai de 3 filhos.

Presumimos que o primogénito fosse Diogo Ribeiro de Soutomaior, e a ele cabe a sequência desta análise. Diogo casou nos anos 90 na vila de Abrantes, com uma das filhas de Vasco Gomes, o então Alcaide-Mor do castelo de Alegrete, uma das fortalezas da raia do alto-alentejo que defendia a fronteira com a região castelhana de Alcântara, na posse da Ordem do mesmo nome, onde os Soutomaior detinham então enorme influência. Este matrimónio revela como a Ordem de São João do Hospital, ainda se mantinha na esfera de influência da família de Pedro Madruga, alguns anos após a alardeada morte do Conde de Caminha! O facto é que a noiva escolhida para Diogo era irmã de um Cavaleiro daquela Ordem e o tio materno de ambos era Fernão Cabreira, Alcaide-Mor do Crato e Amieira, castelos que pertenciam aos Hospitalários, sendo este último, juntamente com o de Belver atalaia de vigia sobre o rio Tejo, a montante de Abrantes, e apoio dos peregrinos a caminho do Santuário de Guadalupe em terras alcantarinas.

A rota de Guadalupe, aliás, deve ter sido seguida com alguma frequência por estas linhagens, pois D. Inês de Soutomaior, filha de D. Nuno que vimos na parte II deste artigo, casou em Cabeza del Buey com um fidalgo de Trujillo, e duas das cunhadas de Diogo Ribeiro de Soutomaior também casaram em Trujillo, na linhagem dos Chaves, muito enlaçada com os descendentes do Mestre da Ordem de Alcântara, D. Gutierre de Sotomayor. Neste particular, é interessante notar a devoção que Cristóvão Colón também dedicava à Virgem de Guadalupe, e também o próprio Rei Enrique IV que no seu tempo considerava aquele santuário como “el mas notable de mios regnos”.

Na vila de Abrantes se enraizou então a prole de Diogo Ribeiro de Soutomaior. A mesma vila que era cabeça de condado dos Almeidas, linhagem a que pertencia D. Diogo Fernandes, o então Prior do Crato, homem da máxima confiança do Rei D. João II, e que estava presente ao lado do soberano em Vale do Paraíso, no encontro com Cristóvão Colón no seu regresso da primeira viagem em 1493. Confiando nas palavras do cronista Rui de Pina, o Prior do Crato foi o anfitrião nos três dias que Colón passou naquelas paragens portuguesas do Ribatejo. A razão parece óbvia à luz de tudo o que acima foi ficando dito: para além da confiança nele depositada, quem melhor que o Prior da única Ordem em que Pedro Álvares de Soutomaior teve entrada e foi cavaleiro, para garantir o seu bem-estar e segurança num momento tão delicado da sua relação com Portugal?

Quase que apetece reproduzir na íntegra, a questão retórica deixada por Manuel Rosa, no seu Colombo Português: “Que segredos terão o Almirante e o Prior, membro da Junta, partilhado ao longo daquelas três noites?” E a manceba do Prior, Leonor Cabreira, tia da mulher do Alcaide do Alegrete, tê-los-á acompanhado nalgum momento, falando de coisas mais triviais, como o consórcio matrimonial de sua sobrinha Inês com Diogo Ribeiro de Soutomaior? Ou será que Diogo enviuvara bem cedo e os dois acertaram novo matrimónio, desta feita na casa dos Fernandes de Almeida, de Abrantes, familiares do Prior, como os genealogistas informam?

Desasseis anos depois deste encontro, morto já o Almirante Colón, D. Cristóvão de Soutomaior deixou a região alcantarina onde vivia, e partiu para as Índias Ocidentais. Morreu, dois anos mais tarde, numa revolta local. A notícia atravessou um Oceano, esfumou-se durante oito longas décadas num Portugal que sempre teimou em rejeitar o Almirante, e acabou registada no dito tabelião de Abrantes!

Não será lícito suspeitar? Não seria aquele Cristóvão, na verdade, Pedro Madruga? E o Soutomaior… Colón?

Pedro Madruga, Cavaleiro de São João de Rhodes (II) – o tempo dos navegantes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Vimos já que em meados da década de cinquenta do século XV, Pedro Álvares de Soutomaior era cónego e pertencia ao cabido da Sé de Tui…..

Atingira a maioridade (25 anos), e tinha o apoio do irmão que então já expulsara o Bispo D. Luís Pimentel e era o “generoso Senhor” que guardava a cidade “com gente de armas poderosos”, conforme cita Suso Vila n’ A cidade de Tui durante a Baixa Idade Media. Seria, por certo, o homem de confiança de Álvaro de Soutomaior, no seio do Cabido tudense e, como tal, encarregue dos negócios de importância para o bispado, nomeadamente com o norte de Portugal e o Arcebispado de Braga. Existem numerosos factos que aqui não cabem, relacionando Pedro Álvares com os vários arcebispos bracarenses do seu tempo.

Hoje relativamente bem conhecida é já a instrução do Rei Enrique IV, passada em 1465, em que o soberano manifesta a sua vontade de entregar o Arcebispado de Santiago ao bastardo dos Soutomaior, documento publicado pela primeira vez em 1904 pela Marquesa de Ayerbe no seu livro de apontamentos históricos acerca do Castillo del Marques de Mos en Sotomayor.

O que acima se escreve, aliado ao facto de Pedro Madruga ter casado em Portugal, na ressaca da revolta irmandiña de 1467 – decerto após a confirmação da sua legitimação por Enrique IV em 6 de Agosto do ano seguinte –, permite concluir que até 1468 actuou publicamente como eclesiástico. Quebrou votos, para casar com Teresa de Távora, e assumir os destinos de Soutomaior; teria então 36 anos de idade.

Entre 1634 e 1635, o Arcebispo de Braga D. Rodrigo da Cunha, refere na sua magistral História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga, um D. João de Soutomaior, casado com uma irmã do Cardeal de Alpedrinha, chamada Isabel Gonçalves da Costa. Segundo o prelado, D. João era filho natural do Conde de Caminha. Os genealogistas portugueses do século XVII ao XIX, dizem que tivera a alcunha de “galego”, mas desconhecem-lhe geração. Mencionam um outro filho natural, D. Nuno de Soutomaior, também alcunhado de “galego”, casado com uma Isabel de que desconhecem apelido, este sim com descendência conhecida tanto em Portugal, como em Castela. Manuel Felgueiras Gaio, talvez o mais conhecido genealogista português de sempre, escrevia em princípios do século XIX, no seu Nobiliário de Famílias de Portugal, que a mãe de D. Nuno se chamava Constança Pereira e que “o Conde de Caminha a tirou do Convento quando andava em Portugal”.

Perante o que atrás se analisa, existem forte probabilidades de D. João e D. Nuno serem a mesma pessoa, e que o seu nascimento tenha ocorrido na década de sessenta do século XV, sendo seu pai eclesiástico, o que não era novidade para a época! Facilmente o cónego Pedro de Soutomaior tinha acesso às casas religiosas, e as donas nobres por ali obrigadas ao recato, muitas vezes almejavam motivo para deixar a forçada vida de claustro.

Consultando o processo de habilitação para o Santo Ofício de João José de Vasconcelos Bitancour Sá Machado, datado de 1751-52, existente na Torre do Tombo em Lisboa, pode ler-se a dado passo que uma “(…) D. Inez de Soutomaior foi irmã de D. Pedro de Soutomaior, Cavaleiro de Malta e Comendador de Torres Novas, ambos naturais da Terra da Feira, e filhos de D. Nuno de Soutomaior e de sua mulher D. Isabel, naturais da mesma Terra, o qual D. Nuno foi filho natural de D. Pedro Alvares de Soutomaior que neste Reino foi Conde de Caminha por mercê de D. Afonso V.”

Ficamos deste modo a saber que ao deixar o convento, D. Constança Pereira passou a viver na actual região de Santa Maria da Feira, cerca de trinta quilómetros a sul da cidade do Porto, território que então estava afecto à linhagem dos Pereira, à qual deveria pertencer a mãe de Constança, uma vez que o pai – sabê-mo-lo pelos genealogistas – , era Pedro Coelho, da casa dos senhores de Felgueiras que a teve de relação ilícita. A recente morte do pai no malogrado assalto a Tãnger de 1463, decerto precipitara a entrada de Constança na clausura; o amparo da família materna chegou com a desonra da ilícita maternidade.

Quebrado que foi o voto de castidade do cónego de Tui, reencontra-se a sua trajectória convergente com a Ordem de São João do Hospital que em Portugal assumia o título de Ordem do Crato, por se ter instalado o Grão-Priorado de Portugal no Convento da Flor da Rosa, perto da vila do Crato no nordeste alentejano.

Os Pereira, senhores da terra de Santa Maria da Feira, eram sobrinhos-netos do Condestável D. Nuno Álvares, o grande estratega de Aljubarrota, nascido e criado no Crato, onde seu pai era Grão-Prior, sucedendo-lhe o filho D. Pedro Álvares Pereira. Quando Nuno de Soutomaior nasceu, a linhagem ainda mantinha alguns dos seus membros como cavaleiros ou comendadores da Ordem de São João do Crato.

Pedro Coelho, por seu turno, vira um dos seus irmãos tornar-se cavaleiro hospitalário e receber a Comenda de Leça depois de combater bravamente na Ilha de Rhodes, no ano de 1444. Inspirados no exemplo do tio, João e Nuno Coelho, meio-irmãos paternos de Constança, também entraram na Ordem do Crato, sobressaindo frei João enquanto Chanceler-Mor de Rhodes e Grão-Prior do Crato, cargos que acumulou com o de Conselheiro do Rei D. Manuel I, até à sua morte, em 1515. Retiram-se estas informações de D. António Prior do Crato e outros cavaleiros da Ordem do Hospital de São João de Jerusalém, artigo publicado em 1996-97, na revista “Filermo” 5-6, por Luiz de Mello Vaz de São Payo.

Garcia Coelho, o irmão mais velho destes, morreu em combate, na derrota de Toro de 1476. Pedro Álvares de Soutomaior conhecia-o, como decerto aos outros Coelhos de Felgueiras, fosse pela sua relação com Constança, fosse pela ligação à Ordem de São João. Seguindo esta linha de pensamento, naturalmente conheceria bem Nicolau Coelho, outro dos irmãos que se viria a revelar experiente nauta, perito em navegação astronómica, um dos capitães da armada de Vasco da Gama na viagem inaugural do caminho marítimo para a Índia, e o primeiro a entrar na barra do Tejo nesse regresso triunfal.

Isabel Coelho era tia paterna de Constança. Casara com Diogo Martins Cão e no ano de 1472 viviam em São Mamede de Vila Verde, na terra de Felgueiras. A documentação que chegou até aos nossos dias, é rica em informação pontual e dispersa, referenciando pessoas de sobrenome “Cão”. Porém, salvaguardando o caso de duas linhagens, uma em Évora e Vila Viçosa, e outra em Vila Real, não permite estabelecer linhas de parentesco entre os deste apelido.

Sublinhem-se contudo, três insinuantes coincidências: Fernão Pereira, senhor da Terra da Feira era, naqueles tempos, alcaide-mor de Vila Viçosa; um homem chamado Diogo Cão celebrizou-se enquanto “descobridor do Congo”, navegando as costas de África em busca da passagem para oriente, a mando do Rei D. João II; esse homem teve um filho chamado Pedro Cão que rondaria os 18 anos quando a 1 de Agosto de 1476 um Pedro Cão, “escudeiro do Conde de Caminha”, recebia uma Carta de Perdão do Rei D. Afonso V, existente no arquivo das chancelarias régias, na Torre do Tombo em Lisboa.

Estas fontes de informação permitem identificar, sem risco de maior erro, a forte possibilidade do Diogo Cão navegador, ser parente próximo do Diogo Martins Cão, e que o escudeiro Pedro Cão fosse seu irmão, ou mesmo aquele seu filho. A ser assim, seria de relevar uma estreita relação entre Nicolau Coelho e Diogo Cão, e entre os dois e Pedro Álvares de Soutomaior.

Socorremo-nos de novo do texto de Luiz de Mello Vaz de São Payo, para uma nova aproximação aos hospitalários. Segundo hipótese apresentada com algum fundamento, Diogo Cão seria filho de Álvaro Gonçalves Cão, fidalgo da Casa de D. Afonso V, e neto de um Gonçalo Anes Cão, legitimado em 1374, filho natural de João Fernandes, escudeiro do Condestável Álvares Pereira, e Comendador da Flor da Rosa na Ordem de São João do Hospital de Jerusalém!

Tendo em atenção o que acima se equaciona, há ainda lugar a outra possível ligação do futuro Pedro Madruga, a um homem que se irá também tornar navegador, ao serviço do plano das descobertas portuguesas do século XV: Álvaro Caminha. Uma vez mais, os genealogistas portugueses não conseguiram documentar os deste apelido numa linhagem entroncada. Surgem desse modo algumas personagens dispersas que permitem intuir que na centúria de 1400 coexistiram duas linhas de Caminhas em Portugal: os Vaz de Caminha, e os Álvares de Caminha. A primeira aburguesou-se na cidade do Porto, exercendo o prestigioso cargo de Mestres da Casa da Balança da Moeda, e outros lugares de escrivania. Quanto aos segundos, parece terem surgido em Portugal no reinado de D. Afonso V, estima-se que fugidos às lutas irmandiñas dos anos sessenta.

Um facto é no entanto indesmentível: em 1453, um Álvaro Camiña era documentado num tombo do Hospital dos Pobres de Tui, como escudeiro de Álvaro de Soutomaior, conforme se pode atestar no estudo já citado de Xulián Maure Rivas. Não será risco demasiado, supor que como escudeiro dos Soutomaior, terá ficado ao serviço de Pedro Álvares quando aquele sucedeu ao irmão, morto em 1468. Em virtude da esteita relação existente com D. Afonso V, nada obsta a que Álvaro Camiña possa ter entrado ao serviço da Casa Real portuguesa, “participando em várias expedições portuguesas à costa africana”, conforme se diz na História de Portugal – Dicionário de Personalidades, obra editada em 2004 pela QUIDNOVI e coordenada pelo professor José Hermano Saraiva. O cronista português Rui de Pina, na Chrónica de El-Rei D. João II, acrescenta ainda que o soberano português “(…) ordenou mandar a Inglaterra com uma caravela bem armada Álvaro de Caminha (…) para com engano ou dissimulação, prender o dito conde [ de Penamacor ] e o trazer a estes reinos ou matá-lo (…)”, missão que prova o alto nível de confiança nele depositado. A mesma confiança que tivera o Conde de Caminha, até ao seu desaparecimento em 1486.

Finalmente, é o cronista Garcia de Resende que assinala a última missão de Álvaro de Caminha, registando que “no ano de quatrocentos e noventa e três em Torres Vedras deu el Rei a Álvaro de Caminha, cavaleiro de sua casa, a Capitania da Ilha de São Tomé de juro e herdade com cem mil reis de renda cada ano, pagos na casa da Mina.” Fazendo-se acompanhar de degredados, escravos negros, jovens cristão-novos e agricultores da Madeira, a ele se ficou a dever o início do povoamento e colonização da ilha. Morreu velho, em 1499, na enganada convicção de lhe vir a suceder o sobrinho, Pedro Álvares de Caminha.

Faço notar que a ser a mesma pessoa, regulando a idade de Álvaro de Soutomaior a quem servira de escudeiro, teria morrido em São Tomé entre os 65 e os 70 anos, e que alguns investigadores durante os séculos que desde então decorreram, o confundiram inclusive com o filho primogénito do Conde de Caminha, chamando-lhe D. Álvaro de Caminha e Soutomaior! Parece este, um caso para aplicação do ditado popular que reza “nunca haver fumo sem fogo”!